segunda-feira, 29 de março de 2010

ESCLARECIMENTO JURÍDICO

O CÔNJUGE HERDA... (DIFÍCIL É INTERPRETAR O ARTIGO 1.829 DO CÓDIGO CIVIL)
Uma das significativas inovações trazidas pelo nosso novo Código Civil (Lei 10.406, de 10.01.2002 – em vigor a partir de 11.01.2003) diz respeito à ordem da vocação hereditária, onde o cônjuge sobrevivente é chamado a herdar do cônjuge falecido logo na primeira chamada. Antes, pelo sistema do velho Código de 1916, o cônjuge supérstite somente era chamado a herdar se não existissem descendentes ou ascendentes do cônjuge falecido.

Convém, antes de tudo, lembrar que a nova ordem de vocação hereditária somente se aplica a sucessões abertas a partir de 11.01.2003, ou seja, quando o óbito do autor da herança se tenha verificado já na vigência do novo Código Civil(vide art. 2041 – Livro das Disposições Finais e Transitórias).

Os processos de inventários e partilhas só agora começam a chegar à primeira instância do Judiciário. Logo, ainda não há jurisprudência sobre a matéria. Cabe, pois, aos Juízes do Brasil darem a sua interpretação ao artigo 1.829 do Código Civil. Já alardeiam que tal artigo requer uma verdadeira “engenharia hermeneutica” para entendê-lo e aplicá-lo. Enfrentemos, pois, a tal disposição legal. Vejamos o seu conteúdo:

“Art. 1.829 – A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais.”

É bom lembrar que colaterais são os parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, que provenham de um só tronco, sem descenderem um do outro (art. 1.592).

Como se vê, são chamados a herdar, em primeiro lugar, os descendentes e o cônjuge sobrevivente. Pode ocorrer, entretanto, que o cônjuge – mesmo chamado – não venha a herdar. Não façamos confusão entre meação e herança. O cônjuge – por isso é que integra uma sociedade conjugal – é, antes de tudo, um sócio/meeiro, no regime da comunhão parcial, durante o tempo da constância do casamento. Portanto, neste regime, cônjuge sobrevivente é meeiro! Pois bem: para proceder-se à partilha, separa-se a sua meação; e, ato contínuo, chamam-se as pessoas às quais deve tocar a outra metade, ou seja, a herança deixada pelo cônjuge falecido. É desta parte do patrimônio que cuida o art. 1.829, inciso I, do Código Civil. A lei deixa clara, o cônjuge sobrevivente não herda: 1) na comunhão universal (porque aí o cônjuge é meeiro da totalidade do patrimônio e da totalidade da herança, não havendo falar-se em bens particulares; e a lei não tem a intenção de prejudicar os filhos); 2)na separação obrigatória(quando algum dos nubentes tinha a idade de 60 anos mais um dia; ou ainda quando um dos nubentes estivesse incluído nas cláusulas suspensivas – art. 1.523, I a IV; e, finalmente, quando algum dos nubentes ao tempo do casamento tinha a idade inferior a 18 anos; ou casara-se para se livrar de processo criminal). Diz, ainda, o mesmo inciso, em sua parte final: “ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.” Por conseguinte: na comunhão parcial sem bens particulares, o cônjuge sobrevivente não herda. É claro: porque não tem o que herdar! Ora, quanto aos bens adquiridos na constância do casamento regido pela comunhão parcial, os cônjuges são meeiros; cabendo aos filhos herdarem toda a meação do genitor falecido. Se não há bens particulares (aqueles adquiridos antes do casamento ou por doação ou herança), não há falar-se em o cônjuge herdar. Herdar o quê? Ele é meeiro e a sua meação é excluída da partilha. A outra metade (a do falecido) é dos filhos!

Agora, finalmente, vamos mencionar as hipóteses em que o cônjuge sobrevivente, concorrendo com filhos, deva herdar:

Quando casados no regime da comunhão parcial, houver bens particulares do cônjuge falecido. Ou seja: herda, exatamente, os bens particulares. E o que são bens particulares? São aqueles adquiridos antes do casamento, ou, ainda que na constância do casamento, mediante doação ou herança. O cônjuge sobrevivente, neste caso, recebe a sua meação dos bens adquiridos durante o casamento; e ainda lhe tocará um quinhão nos bens particulares do cônjuge falecido. Pergunta-se: Qual o tamanho deste quinhão (a ser tirado dos bens particulares do cônjuge falecido)? A resposta está no art. 1.832, que diz: “Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer)”. Portanto, o tamanho do quinhão (havendo poucos filhos! Três no máximo!) é igual ao quinhão de cada filho. Porém, havendo muitos filhos, a conta é outra: divide-se a herança por quatro; retira-se um quarto para o cônjuge sobrevivente... E os outros três quartos dividem-se entre os filhos comuns – ou seja, filhos do cônjuge falecido com o cônjuge sobrevivente. Se os descendentes forem filhos apenas do morto... Bem, aí é outra história... E eu não encontrei resposta na Lei nem na Doutrina até o presente momento. Não esqueçamos: estamos falando de bens particulares, no regime da comunhão parcial (vide art. 1.659, I e II). Estamos falando, ainda, de cônjuge! Não estamos falando de companheiro/companheira, que neste caso muda tudo (para pior!), e a matéria é remetida para o artigo 1.790, incisos I e II do Código Civil.

Quando casados no regime da separação convencional de bens. Os nubentes podem, perfeitamente, convencionar que se casarão com separação de bens. Pergunta-se: o cônjuge sobrevivente, neste regime de casamento, herdará, em concorrência com os filhos, os bens do outro? Claro! Diz o art. 1.829, inciso I, que não herdará no regime da separação obrigatória... Logo, se o regime é de separação convencional, o cônjuge sobrevivente herdará; aplicando-se as mesmas regras do art. 1.832 para a equação da partilha se concorrer com filhos comuns.

Quando casados no regime de participação final nos aqüestos. O inciso I do art. 1.829 menciona, expressamente, as três hipóteses em que não herda, em concorrência com os filhos, o cônjuge sobrevivente. Quais são elas: .separação obrigatória; .comunhão universal; .comunhão parcial sem bens particulares. Logo, no regime da participação final nos aqüestos, o cônjuge sobrevivente herda, em concorrência com os filhos. Herda o quê: os bens exclusivos do falecido. Sim, porque, neste regime, os ganhos, lucros e frutos provenientes de tais bens graças ao esforço comum serão divididos meio a meio.

Tratarei do inciso II, do art. 1.829, em outra edição deste periódico.

Bibliografia consultada:

1. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Código Civil da Família Anotado. Editora Síntese, 2004; 2. PACHECO, José da Silva. Inventários e Partilhas na sucessão legítima e testamentária. Forense, 2004. 3. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. Forense, 2004.


Texto confeccionado por
(1) Oton Lustosa

Atuações e qualificações
(1) Juiz de Direito titular da 2º. Vara de Família e Sucessões de Teresina. Membro da Academia Piauiense de Letras; da Academia Piauiense de Letras Jurídicas e da Academia de Letras da Magistratura Piauiense.

Nenhum comentário:

Postar um comentário